sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Escolhi ser freira! Testemunho verídico de Ana R.

Depois do sofrimento será possível alcançar a felicidade? Acredito bem que sim. Sou ainda muito jovem, e de certo, será muito cedo para falar de uma felicidade plena, contudo a minha opção de vida fez-me passar por muito. Quero ser religiosa, de vida contemplativa. Desde muito pequena que me sentia vocacionada para um caminho muito diferente do que era habitual, embora já tivesse pensado em ser mãe e casar-me, como toda a jovem sonha.

Estudei num colégio de freiras, durante 7 anos, e foi ai o meu primeiro contacto com a vida de religiosa, com apenas 6 anos de idade. As Irmãs do colégio eram alegres, o que me despertava curiosidade, que vida teriam?Como podem ser felizes?.... Começei a falar muito com a Irmã que me dava catequese, sobre Deus e a vida de religiosa. Mas a vida decorria normalmente, gostei de um rapaz da minha turma, o que é normal naquela idade. Aos 8 anos conheci uma comunidade de Irmãs de Clausura, Carmelitas, através do meu pai que as conhecia desde pequeno. Esse contacto com o Carmelo modou-me muito, e o que mais me tocava eram as grades existentes na capela, que separam dois mundos tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. Começei a ter vontade de estar no Carmelo, pedia ao meu pai para me levar, e pouco falava com as Irmãs, mas só o facto de estar ali já me bastava.

Com o passar dos anos, o contacto com o Carmelo e mesmo com as Irmãs do Colégio, tendo a possibilidade de comparar as duas vidas, comtemplativa e activa, duas formas de seguir Deus, permitiram-me fazer uma escolha, querer ser Carmelita... No ínicio, muito insegura na escolha, não quis confia-la a ninguém, e durante um tempo andei numa constante dúvida, acabando por falar com uma colega da turma, e esta contou a uma Irmã do Colégio. A partir dai começou a espalhar-se uma novidade que gerava muito espanto, "a Ana quer ser Carmelita". Tive muito apoio das pessoas que me rodeavam no colégio, e enquanto não chegou a novidade a casa, tudo decorria muito bem... Não queria dizer aos meus pais uma escolha como esta ainda porque sou filha única e isso iria fazê-los sofrer muito, mas acabaram por descobrir através de um papel que me esqueci no quarto e que falava de uma vontade em seguir a vida religiosa. Ai começaram os obstáculos, os empedimentos de estar com as Irmãs, mas sempre com o apoio dos amigos. Mas aconteceu algo inesperado, mudei de escola, acabando por não ter tanto contacto com os meus amigos que tanto me ajudaram, e ter que suportar os obstáculos sem tanto auxílio, e o pior ainda estava para vir. Os meus colegas da nova escola rejeitaram-me por vir de um colégio de freiras, e quando se veio a descobrir que queria ser religiosa, ai ainda foi pior. Eramos uma turma mas não comportavamos como tal, não falavam comigo e quando o faziam era para mandar "bocas", chegando mesmo a perguntar porquê é que ali estava, o que mais me chateava é que estava ali contra a minha vontade.

Apesar de tudo, tive uma recompensa, podia passar mais vezes pelo Carmelo, mesmo estando proibida pelos meus pais de lá entrar, uma vez que tinha mudado de casa.Com o tempo, fui aceitando o facto de ultrapassar os obstáculos se queria crescer e seguir o meu sonho, e apesar de tudo sentia-me bem por dentro por poder ter um Amor, por Deus, e ser diferente.Isso ajudou-me a ultrapassar os problemas que haviam com os colegas. Nessa altura, começei a fazer voluntariado, com crianças, o que me permitiu descobrir algo muito bonito, ser Mãe sem sê-lo fisicamente, pois as crianças necessitavam de um amor maternal, de alguém que as compreendesse e guardasse tempo para estar com elas. Houve um dia, que inesperadamente, uma das raparigas, com 9 anos, me chamou de mãe enquanto faziamos os trabalhos de casa, continuei como se nada tivesse acontecido pois nem sabia como reagir, e tornou a chamar-me, ai parei, e falei com ela, de que de facto adorava os meus meninos, como meus filhos. Hoje,tenho muitas saudades deles, nunca mais nos vimos, mas graças a eles pode descobrir um bem precioso, ser Mãe.

Estive dois anos na escola pública, e durante esses dois anos andei nalguns psicólogos a pedido de um director de turma para ter a certeza de que era normal querer ser freira e ser a menina certinha. Nessa escola, soube de muitas situações que me chocaram, desde uma rapariga que tinha 14/15 anos e que dizia que já tinha feito dois abortos, rapazes a fumarem, alguns droga, uma rapariga que logo de manhã bebeu uma caipira.Pessoas tão diferentes de mim. Entretanto tive que ir para uma outra escola, secundária, ai já foi diferente, os colegas respeitam a minha decisão, não temos muita convivência, falamos nas aulas e quando nos encontramos mas nada de grandes amizades, pelo menos respeitam a minha decisão e não há críticas o que favorece muito o facto de me sentir bem na escola, o que não acontecia anteriormente.

Mantive sempre o contacto com os amigos do colégio, quase todos os meses almoçamos juntos, desses sempre tive o grande apoio necessário para ultrapassar todos obstáculos, não é fácil quando se toma uma decisão para toda a vida e ainda se é tão jovem, ainda mais uma decisão destas.

Hoje, com quase 18 anos, idade exigida para se poder entrar num Convento, sinto-me cheia de forças e esperança. Sinto-me feliz no AMOR.

Os meus pais, com o tempo foram aceitando, a minha família quase tuda já sabe da minha vocação. Menos uma pessoa que adoro, o meu avó que nunca foi virado para a religião, mas acredito que surgirá o momento certo para lhe contar.

Também gostava de falar de uma experiência que tive, e que me fez lutar ainda mais pelo meu sonho, tinha uma tia que adorava, todas as semanas falavamos, e quando o faziamos pelo telefone estavamos mais de 30 mint., disse-lhe do meu sonho, num dia de ano novo, e foi uma alegria para ela, acabando por me ajudar muito com os meus pais, enfrentando-os com a minha vontade e com o que deviam fazer , aceitar. Nessa altura, janeiro de 2004, os meus pais diziam-me coisas que me custavam ouvir, como por exemplo de que deixaria de ser filha deles a partir do momento que entrasse no Carmelo... A minha tia intervinha sempre, e muito me ajudou. Em 2005, ia fazer o Crisma, convidei-a para minha madrinha, e foi com muita alegria, mas nesse ano surgiu "uma bomba", ela estava com cancro na garganta, havia uma certeza de que era operada e viria para casa, que tudo iria correr bem. Mas não foi o que aconteceu, em Outubro desse ano, ela foi operada, entrou ás 8h30 da manhã e saiu 11 horas depois. O tamanho do temor era muito maior do que se pensava. Durante 3 meses esteva no IPO, sempre foi muito bem tratada, uns dias estava bem, mas logo depois piorava, e todos os dias contava com a minha visita. Começei a ter um contacto inesperado no IPO, todos os dias ia lá, e sentia-me bem porque acabava por falar com mais pessoas que estavam na mesma situação, vi muito sofrimento e o maior foi na semana em que a minha tia entrou nos cuidados paliativos, sentia-me no corredor da morte. É uma sensação muito estranha quando estamos com as pessoas de que adoramos e saber que vão morrer. Cheguei a desejar a morte dela, somente para que não sofresse mais, sempre que chegava a casa depois de uma visita, chorava. É muito triste ver uma pessoa a morrer aos poucos á nossa frente e não se poder fazer nada. Esta experiência fez-me ganhar coragem para fazer voluntariado com pessoas do IPO, antes de entrar para a vida contemplativa quero ajudar os outros da melhor forma, e nada melhor do que ajudar aqueles que ninguém têm no momento da sua morte.

Quanto á afirmação que fiz no ínicio, de que as grades do Carmelo separam dois mundos tão iguais e ao mesmo tempo tão semelhantes, de verdade quem tem contacto com uma ordem de clausura sabe de que estou  a falar, as Irmãs têm uma vida muito semelhante enquanto fazem as tarefas de casa, e também fazem algo muito diferente, estão em silêncio, só se fala quando necessário, rezam pelos que não o fazem. É uma vida de amor, amor a Deus que é TUDO, e á comunidade, pois todas trabalham pela comunidade, ajudando-se umas ás outras.

O que mais gosto da vida do Carmelo é a vida contemplativa, e a vida comunitária, onde estão muitas pessoas mas que caminham juntas, apesar das diferenças de cada uma.

Luto todos os dias pelo meu sonho, ser feliz no Amor, e é o que peço a todos os que me rodeiam. De facto, só se pode ser feliz havendo amor e o amor não é mais do que uma entrega ao ser amado.

"O Carmelo é como o céu: carecemos de deixar tudo a fim de possuirmos Aquele que é TUDO".

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